Foi lá no município de Ibiúna-SP que no ano de 1926 nasceu o menino Delcy. Varão primeiro da família, algum tempo depois viria a ser abençoado com a chegada de seus dois outros irmãos: O Luizinho e o Francisco.
Filho de Dona Otília Rolim de Freitas e do Senhor Luiz Dias Thenorio, lá passou sua primeira infância vivendo na zona rural e já trabalhando na roça. Cursou os dois primeiros anos primários como possível, e por volta dos dez anos de idade seu pai mudou-se para o município de Piedade-SP com a família e foram morar numa região denominada Vila Élvio por uma boa temporada, lá pelos idos de 1938. De lá o Seu Delcy guarda as mais belas recordações da vida – Nadava em ribeirões piscosos, e pescava muitos lambaris, bagres, mandis, etc.
Sua mãe, a Dona Otília, pela qual Delcy nutre grande respeito e admiração, era uma mulher de fibra. Corajosa e destemida, enfrentava as adversidades da vida, tomando iniciativas quando preciso e sempre apoiando seu esposo Luiz.
Lá na Vila Élvio voltou a estudar, intercalando o estudo com o seu trabalho de preparação das madeiras para a fabricação das camas “Patente” – tradicional marca brasileira. Fazia o empilhamento para o processo de secagem, “cubicava” e preparava a carga enviando os papéis para o guarda-livros emitir os documentos de transporte. A bondosa professora Maria Eliza de Azevedo Cintra, observando a inteligência, esforço e desenvoltura do menino Delcy, dispôs-se a lhe dar aulas particulares à noite para que ele pudesse complementar seu estudo. Vendo seu aproveitamento, dispôs-se a levá-lo para São Paulo. Ao propor a idéia para dona Otília, ouviu uma inesperada negativa. Décadas depois soube-se que ele foi quem não aceitara a transferência por um motivo infantil mas muito forte: fazia xixi na cama.
Na labuta pela vida, nos tempos da guerra dos anos 1941-1943, devido à falta de combustível na época, seu pai foi cuidar de caieiras e fazer carvão para produção do gasogênio. Atraídos pelo desenvolvimento industrial que acontecia na região do ABC paulista naquele período, decidiram mudar-se para Santo André. Para economizar fizeram viagem única, em um só caminhão e uma só mudança para duas famílias. Em Santo André se estabeleceram e por uma temporada moraram juntas as duas famílias: por solidariedade e para enfrentar dificuldades da vida.
Tiveram que resolver também o problema do registro de nascimento dos filhos, pois os cartórios da época pegavam o pouco dinheiro dos “caipiras” e não faziam “patavina”. Tudo foi resolvido pela Cúria Metropolitana de São Paulo, que através de uma cópia do batizado, encaminhava os papéis para documentação e regularização do registro de nascimento.
A dona Otília tinha escolhido o nome Delcy para o seu primeiro filho mas o padre, seguindo os preceitos da Igreja na época, não aceitava nomes “exóticos” e por conta própria cravou um José, ficando o nome do poeta José Delcy Thenorio. Já morador de Santo André o nosso Delcy começou a ganhar alguns trocados trabalhando numa chácara de flores do bairro da Vila Assunção. A convite do encarregado, ele e seu irmão Luiz passaram a trabalhar na Vila Luzita, plantando grama a um cruzeiro e trinta centavos o metro quadrado. Conseguiram ganhar um bom dinheiro, até bem mais que o seu pai que também estava trabalhando empregado em outra empresa do lugar.
Sempre estudando à noite, acabou ingressando na Pirelli, onde trabalhou por 11 anos e meio. Foi lá que conheceu a sua querida e eterna companheira Antonieta, nos folguedos momentâneos ao redor do bebedouro, e com quem veio a casar-se nascendo dessa união seus três filhos: Edson, Edélcio e Élcio. Pela facilidade que sempre teve para escrever era chamado para redigir cartas, versando para os amigos sobre assuntos diversificados. Escrevia também “causos”, contos e poesias que distribuía para as moças. Muitos dos seus escritos eram elaborados em linguagem rebuscada por gozação, e até mesmo para mexer com o brio de alguém… Sempre dentro do maior respeito!
Saiu da Pirelli para trabalhar na Rhodia, em função de melhor salário e outras benesses. Ali exerceu várias funções no Departamento Pessoal. Era muito querido de todos devido à sua educação, espírito de colaboração e alto grau de solidariedade. Os chefes e gerentes nunca queriam que ele fosse transferido. Isso sempre acontecia por iniciativa própria.
Após dezessete anos na empresa aposentou-se no ano de 1980, quando começou a dedicar-se mais aos poemas: agora já metrificados, rimados e com estilo próprio. Surge então o nosso poeta do cotidiano retratando em suas poesias tudo o que vê, sente e vivencia.
Através do meu grande amigo Edélcio, seu segundo filho, tive o prazer de conhecê-lo lá pelos idos de 1970, passei a respeitá-lo e admirá-lo, tornando-me o amigo do pai do meu amigo. Sempre lia os seus poemas e também procurava dar-lhes uma certa interpretação. Tenho-o na conta de um homem honesto, inteligente, autodidata em muitos assuntos e exemplo de vida para qualquer pessoa.
Às vezes avisto essa figura singular caminhando pela Avenida Queirós Filho, com seu clássico suspensório. Fico observando-o. Tenho ímpetos de parar – o que nem sempre é possível – para uma boa conversa e para poder desfrutar do seu sorriso largo e prazeroso. Talvez esteja ele indo à feira de domingo ou, quem sabe, para um carteado que é uma das coisas que ele adora fazer.
Nessa altura da vida, o seu Delcy recebe dos seus três filhos o maior presente que um pai pode esperar: a edição de seus poemas sob o título “De Olho Na Vida”. Muito sugestivo o título da coletânea de poemas do seu Delcy que traduz muito bem o estilo observador-interpretador dos fatos da vida, bem como da sua essência.
O poeta Delcy vai vivendo na cidade de Santo André. Novos poemas surgirão, porque fatos e “causos” novos estão sempre acontecendo, e o nosso poeta do cotidiano certamente lhes imprimirá aquele tempero e picardia peculiar ao seu estilo. Volta e meia vou visitá-lo em sua casa na Vila América na Rua Nilo Peçanha, bem pertinho de onde foi a antiga Pirelli. Ele e a companheira Antonieta me recebem com muito carinho e amor sempre com um saboroso cafezinho de bule. O bom papo e o ambiente receptivo faz com que as horas rolem e acabo ficando para o almoço e às vezes até para o jantar.
Que o Senhor Deus lhes dê muita saúde e mantenha o nosso poeta Delcy em nosso convívio por muitos e muitos anos, para que possamos desfrutar da sua sabedoria e da sua alegria de viver.
Parabéns poeta Delcy
É com grande satisfação e carinho que dedico essas singelas palavras em homenagem ao seu “De Olho Na Vida”. Para mim foi uma honra escrevê-las.
Aguardamos novos poemas.
Sinésio Dozzi Tezza
Setembro de 2004