O BURRO VALENTE

Meu pai trabalhava em terrenos pertencentes aos seus pais ou aos de seus sogros. Todos estavam distantes de casa entre quatro e vinte quilômetros. Para trabalhar naqueles mais próximos, meu pai tomava emprestado do meu avô materno não só o burro como os aperos e também os cestos nos quais trazia da roça alguns produtos, como feijão, milho, batata e outros alimentos.

Eu, o mais velho dos irmãos, tinha um peso inferior à soma dos pesos dos meus irmãos. Íamos para a roça dentro dos dois cestos, mas para equilibrar meu pai colocava uma pedra no cesto que me era destinado. Era uma maneira sábia de chegar mais depressa na roça. No retorno nem sempre eu usufruia da vantagem de vir no cesto.

Quando o trabalho era no terreno de meu avô paterno, passávamos por um trecho aterrado, que dividia parte da represa de Itupararanga. Quando resolveram aumentar o nível das águas, foi feito um desvio que aumentava o trajeto em mais de um quilômetro.

Certa vez, meu pai resolveu voltar pelo antigo aterro, agora submerso, com um burro carregado, na suposição de que seria fácil transitar a vau. Como era um aterro, o animal escorregou para lugar mais fundo. Meu pai ficou desesperado, pois não era dono do animal, nem dos aperos. Creio que tenha solicitado a proteção divina nesse momento crucial. Para gáudio dele, eis que o burro carregado nadou, encontrou o aterro, e saiu tranqüilamente, fato este testemunhado por mim.

Creio ter sido a última vez que meu pai quis encurtar o caminho. Foi mais ou menos nessa época de expansão da represa que a maleita vitimou muita gente, inclusive meu pai, que por muitos anos sofreu com a moléstia transmitida por certo mosquito. Era nessa represa que ele pescava as grandes traíras e bagres. Quando a pescaria era diurna, ele me levava e assim fui tomando gosto nessa divertida atividade. Também minha tia materna, Benedita, me levava e também meu primo Dário para pescar no grande tanque localizado nas proximidades de sua casa.

Certa vez eu fui sozinho, peguei uma traíra e por preguiça fiz uma cova no brejo, e ali coloquei três ou quatro traíras. Quando aumentou a água da poça as traíras fugiram da cova, o que me aborreceu muito. Por inexperiência, quando uma traíra abocanhava a isca, eu dava tamanho golpe para cima que o peixe caía no mato. Então o peixe, depois de pescado, precisava ser caçado na mata. Pelo movimento que a traíra fazia, acabava sendo localizada.

Neste tanque usava-se toucinho como isca, na qual se cuspia antes de jogá-la na água. Talvez fosse uma espécie de simpatia. Tive uma infância pobre, porém divertida.