Em 1940 eu ainda morava na Vila Élvio, que naquela época era mais conhecida como “Cama Patente”, local onde se preparava a madeira com bitolas variadas para envio à Matriz, localizada na Ponte Pequena, em São Paulo. Era lá que se faziam as famosas camas da firma Luis Liscio & Cia.
A Vila Élvio era muito movimentada, muitas casas, todas habitadas. Era intenso o movimento de caminhões transportando toras para as duas serrarias que trabalhavam a todo o vapor. Hoje a disposição das casas está mudada. Somente o grande pátio é conservado, porém muito reduzido. Havia um grande armazém naquele pátio, pertencente à firma, local de encontro dos moradores da vila e da periferia, onde era grande a produção de carvão vegetal.
Eu, meninão de 14 anos, trabalhava em diversos serviços, tais como empilhamento de madeira (quadradinhos) preparador de cargas para os caminhões transportadores, balconista e até carroceiro para entregar gêneros alimentícios aos italianos que moravam nas cercanias, todos carvoeiros. Interessados na guerra iniciada em setembro de 1939, não perdiam a oportunidade de exaltar o poderio militar da Alemanha, agora reforçada pela poderosa Itália para combater a Polônia, Inglaterra e França. Comentavam que as forças alemãs e italianas não teriam dificuldade par esmagar os adversários.
Dentre os muitos habitantes da Vila Élvio havia a família Gavião, com os seguintes membros: Salvatino, Benedito, João, além de um adolescente e do Sr. Antonio, o genitor.
Dentre os irmãos, um destoava dos demais, porque não era afeito a pagar as suas dívidas, não sei se por falta de meios ou por ser caloteiro mesmo. Era o mais velho e atendia pelo nome de Salvatino. Dentre seus credores, um se chamava Otacílio, que tinha uma venda no bairro do Lageado, onde Salvatino consumira cerveja por algumas vezes e não se lembrara de pagar a dívida.
O Otacílio, insuflado por amigos mais truculentos, dispostos a dar uma lição no Salvatino, chegaram na Vila Élvio ao crepúsculo e todos se dirigiram ao armazém onde já se encontrava Salvatino tomando cerveja, certamente já meio malhado. Nesse momento começaram as provocações. Além do Otacílio, vieram o Gumercindo, o Simão e um outro cujo nome não mais me recordo.
Eles também começaram a tomar cerveja e a jogar os restos dos copos nos pés de Salvatino, que não reagia por estar acompanhado apenas pelo irmão caçula e adolescente.
Este vendo as provocações, correu avisar e os dois irmãos, que moravam bem perto do armazém. Em questão de minutos chegam os três e começa a briga com armas brancas no grande pátio, onde também se localizava a porta de entrada da minha casa.
Eu, curioso, observava a refrega logo após o anoitecer. Era difícil conseguir distinguir um dos contendores, mesmo porque eu não podia e nem devia ficar muito próximo por questão de segurança.
Finda a briga, o Salvatino estava morto, o Otacílio tinha um pulmão perfurado que jorrava muito sangue. Fora recolhido em minha casa e depois levado para Sorocaba.
Lembro-me o que o Otacílio, conhecido dos meus pais de longa data, disse para minha mãe: “Nunca fiz uma visita para vocês e hoje venho à sua casa para sujá-la”, dada as golfadas de sangue que expelia.
Tão logo ele foi levado, minha mãe e eu tivemos muito trabalho para lavar a sala, onde havia muito sangue.
O Benedito ficou com os intestinos expostos, o Simão com uma espetada na nádega. Que me consta, saíram ilesos o patriarca, Sr. Antonio, o João e o Gumercindo. O Dr. Cipriano, de Piedade, foi contratado para defender a turma do Lageado e o Dr. Ribas, de Sorocaba, veio para defender a família Gavião. Conseguiu-se, não sei de que forma, provar na Justiça que os mortos, Salvatino e Otacílio (que morreu no hospital em Sorocaba) mataram-se entre si, e todos os demais que tomaram parte na luta foram absolvidos. Segundo meu pai, o autor dessa façanha foi o Dr. Ribas.
Findo o julgamento, qual não foi o meu espanto ao presenciar o convite feito pelos envolvidos, de maneira recíproca, para “matarem o bicho”, como se nada houvesse acontecido.
Devo ressaltar apenas que os irmãos e o pai do Salvatino foram pensionistas dos meus pais e foram muito corretos. Que o Sr. Otacílio também era homem benquisto e que, também, nada sei que pudesse desabonar os seus acompanhantes.
1 comment
fevereiro de 2009 at 7:45
Mariaobereodo
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